quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

FILME TUDO PELO PODER

No filme "Tudo pelo poder" alguém diz que o único pecado imperdoável num político americano é o pecado da carne — mesmo na forma branda de rapidinhas com estagiárias predispostas. Um dos pré-candidatos republicanos às eleições presidenciais deste ano nos Estados Unidos já foi obrigado a desistir depois que se revelou que ele era um predador sexual.
Muitos homens públicos americanos tiveram que se submeter a um ritual de contrição pelos seus pecados — geralmente com a esposa estoicamente ao seu lado, diante dos repórteres e das câmeras — antes de renunciar ao cargo ou à candidatura.
O que nos leva a pensar no contraste com o Brasil, onde a vida sexual de cada um é raramente um fator na disputa política. Nossos escândalos são assexuados, a vida privada permanece privada mesmo em meio ao maior tiroteio. E há quem diga que alegações sobre infidelidade matrimonial, voracidade sexual, etc. só aumentariam a popularidade de um político brasileiro. Mas não sejamos cínicos.
O filme "Tudo pelo poder" é bom. George Clooney é um candidato a candidato à presidência em campanha numa primária estadual. É um democrata idealizado, com opiniões que o próprio Clooney gostaria de ouvir de um candidato real — ou seja, o que ele esperava que o Obama fosse, e não foi. Seu opositor na primária mal aparece no filme, não tem nenhuma importância no enredo. O conflito acontece dentro da sua equipe, onde, com uma exceção, todos os personagens principais se revelam, de uma forma ou de outra, carentes, digamos, de caráter.
E aí é que está um dos poucos defeitos do filme: o único personagem que se salva, que tem um comportamento ético e que acaba pagando por ser a exceção é interpretado por Philip Seymour Hoffman, que ninguém nunca viu fazer papel de herói moral.
Além do pouco convincente Hoffman, Clooney, que coescreveu e dirigiu o filme, não livra a moral de ninguém, nem do seu candidato ideal. Fez um filme pessimista sobre a falibilidade humana, mesmo dos melhores humanos. O título em inglês, "Os idos de março", evoca o "Júlio Cesar", de Shakespeare, mas no filme ninguém esfaqueia ninguém à traição. As traições são mais sutis.

FILME CAVALO DE GUERRA Steven Spielberg

SENTIMENTALISMO RELINCHANTE

Todo mundo conhece (a coisa começou em 1930, mais ou menos) aquele personagem meio idiotado, amigo do herói do filme, que desde a primeira cena já está marcado para morrer.
Ele ri bastante, é ingênuo, é feliz e não fará falta nenhuma para o desenvolvimento da trama. Anuncia algum sonho banal para o futuro: "Quando eu voltar da guerra, quero cuidar do meu posto de gasolina"; "quando sairmos desta maldita ilha, vou me dedicar ao plantio de alfaces".
Seu sonho morrerá com ele na primeira carga da cavalaria inimiga ou no segundo ataque de tubarões voadores. Não quero contar muito de "Cavalo de Guerra", o mais recente filme de Spielberg, mas, se estiver contando, acho que não estrago a surpresa de ninguém. A razão é que não há surpresas nesse filme.
Ou melhor, há sim. É que, além do amigo idiotado do herói, Spielberg introduziu uma inovação bizarra nessa história de um cavalo atravessando os campos de batalha da Primeira Guerra Mundial.
Ele criou o amigo do cavalo. Que é outro cavalo, evidentemente -e ganha um doce quem adivinhar quais as suas chances de sobrevivência até o final do filme.
Seria uma perfeita paródia dos clichês hollywoodianos, se a intenção de comover não fosse tão explícita. A música é um clichê do começo ao fim, e o fim é um clichê à parte, com vermelhidões de crepúsculo, no modelo de "...E o Vento Levou": um céu de "technicolor" contra o qual se recortam as silhuetas dos heróis da história, cavalo inclusive. Faltou um relincho de triunfo, para deixar a plateia definitivamente de quatro.
"Cavalo de Guerra" constitui, além do mais, uma verdadeira aberração moral. Verdade que os massacres de 1914-1918 já se perderam um bocado no tempo.
Mas contar sentimentalmente as desventuras de um cavalo nas trincheiras, enquanto seres humanos morriam como moscas, seria o equivalente a um filme que mostrasse a comovente sobrevivência de um hamster num campo de extermínio nazista. Tento matizar, em todo caso, esse julgamento. Nos depoimentos de antigos soldados da Primeira Guerra, fala-se de muita compaixão pela sorte dos animais.
Cavalos foram ainda muito importantes naquele conflito: transportavam alimentos e munição para as tropas. Era frequente entrarem em pânico no meio das bombas e que agonizassem, mutilados, ao lado das vítimas humanas.
A piedade dos soldados se justifica, acho, pelo fato de que os animais nem mesmo sabiam o que estava acontecendo; e não tinham escolhido, é claro, integrar os batalhões de combatentes.
Dessa dupla inocência não participavam os soldados, por mais iludidos que estivessem ao se alistar.
Haveria sentido, então, no tema do filme. Não seria propriamente um clichê, embora o recurso já tenha sido utilizado muitas vezes (desde Swift, por exemplo): mostra-se a "humanidade" de um cavalo em meio a uma guerra humana e, por isso mesmo, bestial.
O foco de "Cavalo de Guerra" não seria, por si só, escandaloso e ilegítimo. Mas a sentimentalidade cavalar de Spielberg, se não for simples exemplo de que o diretor está gagá, exigiria outra explicação.
Claro, Spielberg muitas vezes foi sentimental, apelativo, o que quisermos. Mas não era, hum, burro; e não estou entre seus inimigos jurados.
Em "Cavalo de Guerra", talvez exista um argumento oculto capaz, não de salvar, mas de explicar o seu desastre estético e moral.
A tragédia de 1914-1918 marcou a passagem de um modelo de guerra ainda galante, de cavalarianos com a espada em punho, para um conflito principalmente tecnológico, baseado em tanques, aviões e armas químicas.
O verdadeiro antagonista do cavalo, no filme, é o canhão, a metralhadora, o tanque de guerra.
Esse domínio "desumanizador" da tecnologia é também o que se vê na própria indústria cinematográfica, na qual o que conta são os efeitos digitais e o virtuosismo milimétrico das tomadas.
Diante de um cinema tão perfeito tecnicamente, Spielberg talvez queira recuperar o "sentido humano" da história. Mas, no seu vocabulário, isso significa mais sentimentalismo. Que o sentimentalismo privilegie as emoções em torno de um cavalo é sintoma, sem dúvida, que da humanidade hollywoodiana não resta mais nada a esperar.

domingo, 11 de dezembro de 2011

FILME DANÇA COM LOBOS - COSTNER, Kevin

COSTNER, Kevin. Dança com Lobos. EUA, 1990.


Desde o começo da televisão, o western foi um gênero de filmes e séries de sucesso. A passagem dos anos 50 para os 60 pode ter sido o auge do western para a TV, mas foi só em 1990 que o que talvez seja a maior pérola do gênero surgiu. Dança com Lobos (Dances With Wolves, no original), dirigido e estrelado por Kevin Costner, é indubitavelmente uma das maiores (e melhores) produções do cinema americano de todos os tempos.

O filme conta a história de John Dunbar, um oficial do exército da União durante a guerra civil americana. Logo no começo do filme, Dunbar se sente terrível por descobrir que terá que amputar a perna ferida. A idéia de viver sem uma perna mexe tanto com a cabeça do cidadão que ele resolve se suicidar, cavalgando abertamente no meio do fogo cruzado, atraindo os tiros do exército inimigo… mas Dunbar não morre. Inexplicavelmente, o homem escapa de todos os tiros, e acaba, sem querer, empolgando os homens de seu exército, que vencem a tropa confederada e tomam a posição inimiga. Depois da batalha, o cara é visto como um herói, e o cirurgião do próprio general cuida pra que a perna dele fique boa.

Como um prêmio pela bravura de Dunbar em batalha, os superiores do cara oferecem a ele o cavalo que ele cavalgou durante a batalha e a chance de escolher seu próximo posto. Ele pede então uma transferência para a fronteira oeste. E é aí que o filme começa a chegar no núcleo de sua história. Dunbar é transferido para um posto deserto, o forte Sedgwick, e começa a limpar e arrumar o local, esperando que os reforços cheguem. Suas únicas companhias são um lobo solitário (lobo mesmo, não é nenhuma metáfora ridícula pra caubói não), a quem Dunbar dá o nome de Duas Meias, por causa da cor de suas patas dianteiras e seu cavalo, Cisco. O cara começa a explorar sozinho as redondezas, quando descobre que índios Sioux-Lakota vivem por ali. O cara começa, então, a fazer contato com os índios, aos poucos, e acaba descobrindo que uma mulher branca vive como índia entre eles. Durante sua estadia no acampamento, Dunbar, que recebe dos índios o nome de Shu-mani-tu-tonka Ob’ Wa-chi (mas você só vai lembrar de “tatanca” durante o filme), passa a ver os índios não como os selvagens sanguinários que tinha ouvido falar, mas como um povo como qualquer outro. E ele começa a ver os motivos para alguns índios atacarem os brancos, como a matança dos búfalos que garantiam a sobrevivência dos índios, fornecendo comida, peles e por aí vai. É claro que saber que mais homens brancos estão vindo para o forte incomoda bastante tatân… er, Dunbar, que teme um conflito entre os dois bandos, sabendo que os homens brancos estão melhor armados e em maior número. Claro que eu não vou dizer aqui no que isso vai dar. Tiraria toda a graça do filme.

Um dos pontos mais marcantes do filme é que ele trata os índios de maneira diferente da maioria dos filmes de Hollywood, que geralmente tratam os índios ou como bandidos sanguinários que matam só por matar, ou como um povo infinitamente nobre e sem nenhum defeito, completamente irreal. Por ter retratado os Sioux como um povo de verdade no filme, Kevin Costner se tornou membro honorário do verdadeiro povo Sioux. Boa parte do filme é falado numa versão simplificada do idioma Lakota. A maravilha é que a linguagem tem tanto uma forma de fala masculina quanto uma feminina, e no filme, pra coisa ficar mais simples pros atores, só se usou a forma feminina. Imagina que maravilha ver os guerreiros da tribo todos falando como mulheres.

O filme ganhou sete Oscars, incluindo melhor filme e melhor trilha sonora. O próprio papa João Paulo II chegou a declarar que a trilha de Dança com Lobos é uma de suas peças de música favoritas. Enfim, um filme imperdível, ótimo em todos os detalhes.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

LIVRO Fontova, Humberto-O Verdadeiro Che Guevara e o Idiotas Úteis que o Idolatram

FONTOVA, Humberto-O Verdadeiro Che Guevara e o Idiotas Úteis que o Idolatram. Editora É Realizações, São Paulo, 2009.

Transformado ao longo dos anos numa espécie de “Jesus Cristo revolucionário” graças aos esforços incansáveis da esquerda mundial, o argentino Ernesto Guevara é objeto de autêntico culto a personalidade em todo o mundo.
Entretanto, a leitura do livro do cubano-americano Humberto Fontova deixa claro que, embora Guevara seja um inegável sucesso de marketing político e comercial – com sua imagem estampando desde camisetas para bebes até biquíni vestido pela supermodelo Gisele Bündchen – na vida real pode ser considerado um fracasso.
Lançando mão de muitas fontes bibliográficas e orais, especialmente de ex-companheiros de Guevara, Fontova relata, de maneira impiedosa e irônica, como o argentino, muito longe do homem perfeito idealizado pela mitologia esquerdista, era uma pessoa ressentida, vingativa, incompetente e responsável direto pelo assassinato de centenas de pessoas absolutamente inocentes de qualquer tipo de crime.
Vindo de uma desestruturada família burguesa argentina simpatizante do comunismo, Guevara seria considerado, sob qualquer aspecto, um vagabundo, um andarilho perdido no mundo. Seu envolvimento com exilados cubanos no México após uma passagem pela Guatemala acabou levando-o para aventuras em Cuba, no seio do movimento armado contra o ditador Fulgêncio Batista.
A luta contra Batista é um capítulo a parte, que revela muito do modus operandi de Guevara e Fidel Castro. Diferente do senso comum, segundo o qual Batista foi derrotado por uma série de intensas batalhas movidas por guerrilheiros audaciosos, o que menos houve na derrocada de Batista foi luta armada. Castro operava, sobretudo, no terreno da propaganda, angariando dinheiro em grande quantidade, especialmente das elites cubanas, cansadas do regime de Batista, e as simpatias internacionais, em particular nos Estados Unidos, através da mídia que se encarregou de forjar a imagem de valorosos revolucionários para Fidel Castro e Che Guevara – que, aliás, nessa época era apenas mais um dentre vários colaboradores da revolução.
O regime de Batista caiu principalmente pela corrupção de suas forças, que aceitavam dinheiro de Fidel Castro para retirar-se sem luta, cansaço das elites cubanas e dos americanos em tolerar os métodos de Batista, e, em especial, a crença em que Castro e seus homens eram realmente democratas e honestos em seus objetivos.
Após a vitória na luta contra Batista, em pouco tempo a verdadeira face do regime revelou-se: violência, assassinatos, tortura e prisões. E Guevara teve papel fundamental nisso.
Neste ponto, Fontova faz uma clara distinção entre Castro e Guevara. Enquanto Fidel Castro era muito mais hábil, utilizando a violência como meio para atingir um fim, Guevara parecia ver na brutalidade e assassinatos um fim em si mesmo. Guevara acreditava que a “violência revolucionária” – leia-se, a morte sem piedade de todos os inimigos, reais ou imaginários – era a melhor forma de controlar o poder. Assim, desde o começo, Guevara ligou-se ao aparato repressivo do bloco soviético, transportando seus métodos para o cenário cubano.
Talvez o mais chocante para os fás de Guevara que por ventura lerem o relato de Fontova, seja a imensa distância sobre o significado que lhe é atribuído – um ícone da liberdade e igualdade – e sua real figura. Assim, um homem que é cultuado por líderes de minorias raciais, hippies, alternativos e jovens, tinha, na verdade, uma mentalidade racista, patriarcal, despótica e arrogante, desprezando negros, jovens, “cabeludos”, música – enfim, tudo aquilo que, dizem as esquerdas e desinformados em geral, Guevara simbolizaria.
Humberto Fontova mostra como essas e muitas outras incoerências foram e ainda são resultado do verdadeiro caso de amor que existe entre os meios intelectual e midiáticos, especialmente o norte-americano, e a ditadura de Fidel Castro, citando por exemplo o jornal New York Times, que repetiu com Castro exatamente o que já tinha feito, na década de 1930, encobrindo os crimes do regime de Stalin. [*]
A imensa incompetência de Guevara a frente do ministério da economia destruiu a infraestrutura cubana, desorganizando até hoje um dos países mais prósperos das Américas, levando o caos e a miséria a uma população cristã e orgulhosa, favorecendo sua submissão ao projeto de poder totalitário ambicionado por Fidel Castro. A este respeito, o autor mostra com números e informações detalhadas como Cuba era econômica e socialmente antes da chegada ao poder de Castro e Guevara e como ficou depois.
O livro revela episódios pouco conhecidos, como o envolvimento de Guevara em uma série de atentados terroristas frustrados nos EUA, logo após a chegada ao poder em Cuba, época em que os americanos ainda tinham ilusões quanto aos objetivos de Fidel Castro; o real significado da Crise dos Mísseis – que funcionou como um “sinal verde” para Castro impor seu regime totalitário a Cuba, já que teve a garantia dos EUA de que sua ditadura não seria incomodada –; a chamada “invasão da Baía dos Porcos” e a dura repressão contra a revolta popular mantida durante metade da década de 1960 pela população rural cubana contra o regime de Fidel Castro, como reação à coletivização forçada.
As aventuras externas de Guevara, primeiro no Congo e depois na Bolívia, em missões militares permeadas de muita retórica revolucionária vazia e nenhuma competência até mesmo para assuntos práticos elementares (como, por exemplo, ler uma bússola para não se perder na selva), resultaram primeiro no descrédito de Guevara como um líder revolucionário viável, após o fracasso no Congo, e, depois, em sua morte na Bolívia, encerrando assim sua vida e carreira de revolucionário que se pretendia genial. Curioso notar que tanto no Congo quanto na Bolívia Guevara foi confrontado por forças das quais faziam parte cubanos que haviam deixado seu país após o início dos desmandos do "Che" e Castro, e que demonstraram muito mais competência militar do que Guevara, cuja tão falada habilidade tática e estratégica encontra-se guardada junto com seus demais méritos, ou seja, na propaganda.
O livro de Humberto Fontova é valioso não apenas pelas suas informações, que inclusive podem ser um ótimo antidoto para os inocentes úteis simpatizantes de Guevara, mas por ser o único trabalho publicado no Brasil, em muito tempo, a ir contra o senso comum que transformou um homem medíocre em um deus no templo da ideologia comunista.
Destaque também para o documentário que acompanha o livro, “Guevara, Anatomia de um mito”, com imagens e depoimentos sobre Ernesto Guevara desde seus tempos de desocupado na Guatemala até sua morte na Bolívia, complementando de forma muito eficiente e sóbria o trabalho de Fontova.

[*] Nota: Um dos maiores biógrafos “chapa-branca” de Guevara citado várias vezes ao longo do livro de Fontova, o mexicano Jorge Castãneda, antigo esquerdista radical há alguns anos convertido ao socialismo light de cunho social-democrata atualmente predominante na política latino-americana e nos EUA, esteve há poucos dias envolvido num episódio no minimo curioso. Convidado para um evento na Venezuela, promovido pela oposição ao ditador Hugo Chávez, Castãneda criticou o fato de que “Chavez estava tentando criar outra Cuba” na América Latina. Para quem dedicou grande parte de sua vida a incensar o tirano Castro e vassalos do ditador como Guevara, essa é uma virada e tanto.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

LIVRO A Noite das Grandes Fogueiras-MEIRELLES, Domingos

MEIRELLES, Domingos, A noite das Grandes Fogueiras. São Paulo: Record, 2001.

As Noites Das Grandes Fogueiras retrata uma parte importante da história do Brasil, e se passa nos conturbados anos 20, auge da política do café-com-leite e do surgimento do tenentismo. O objetivo dessa obra-prima escrita por Domingos Meireles (repórter da Rede Globo) foi divulgar fielmente o aspecto histórico daquela época na intenção de passar ao leitor a magnífica empreitada de homens valentes que lutaram para melhorar o país.
Essa história verídica começou com um grupo de oficiais da Força Pública de São Paulo que pretendia depor o presidente Arthur Bernardes numa tentativa de acabar com a corrupção, o nepotismo e o arbítrio daquele governo em 1924.
O motim dos soldados paulistas teve êxito e chegaram a dominar São Paulo, porém as tropas federais no intuito de por fim a rebelião bombardearam intensamente a capital paulista destruindo-a em boa parte. Rechaçados, com a cidade sitiada e o povo passando necessidades devido aos embargos, os revolucionários sairam da capital e foram em direção ao interior. Em outros quartéis espalhados pelo país corria a informação do planejamento do motim. No Rio Grande do Sul, também começava outra tentativa de revolução e o pessoal de São Paulo se juntou aos gaúchos.
Numa intensa luta contra as tropas fiéis ao governo os amotinados sempre em situação desfavorável eram obrigados a recuar e fazer uma nova formação. Numa dessas formações um grupo então liderado pelo capitão Luís Carlos Prestes, obteve êxitos, surgia a INVENCÍVEL COLUNA PRESTES. Na tentativa de continuar com a revolução a Coluna Prestes passou a percorrer vários estados brasileiros no intuito de arregimentar mais voluntários dispostos a combater o governo. Vários civis e militares aderiram ao movimento, pegaram as armas e foram a luta. Por onde passavam eram reconhecidos como heróis pela população local que sabia que eles lutavam contra as forças federais. Somente no Nordeste é que foram recebidos por tocaias e traições.
A obra conta em detalhes a história veridíca da Coluna Prestes que percorreu 36000 quilometros a pé, por 12 estados perseguidos dia e noite pelas tropas do governo, traidores e até mercenários e cabras mandados do coronel Padre Cícero no Ceará. Até o bando de Lampião foi procurado para combater Luis Carlos Prestes e seus soldados. A Coluna Prestes nunca perdeu uma só batalha no seus 3 anos de perseguição. Além da precisão das informações, Domingos Meirelles imprimiu a obra um fascínio ao dotar seus personagens de emoção, desde o cerébro e condutor da coluna, Luis Carlos Prestes, e seus companheiros como Siqueira Campos, João Alberto e Juarez Távora. Juntos com eles aparecem outros personagens de imensa grandeza como o tentente João Cabanas, o qual se tornou uma lenda da Coluna.
Essa determinação em vencer tem como exemplo Miguel Costa, que em um tiroteio levou um tiro de rifle no peito e continuou a lutar mesmo sangrando e vendo seu coração pulsar dentro do peito aberto !! O livro As noites das Grandes Fogueiras é leitura obrigatória a quem deseja conhecer um pouco mais da história do Brasil e deveria ser obrigatório para os vestibulandos, pois um período tão importante deveria ser melhor lembrado no currículo escolar. O livro contém cerca de 700 páginas escritas com muita precisão e lisura pelo seu autor, além de muita fotos da época. É uma obra primordial que vai conquistar o leitor a ler seus capítulos: A força pública entra na revolução, Uma chuva de ferro e fogo, O Intrépido João Cabanas, Prestes levanta o Rio Grande, Os porões do General Escuridão, A cilada de Padre Aristides, Os mortos-vivos de Clevelândia, Cruzada contra Satanás, Uma eleição sem surpresas, O Cemitério de La Guaiba e muitos outros.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

LIVRO DEUS,UM DELIRIO. Dawkins, Richard

DAWKINS,Richard. Deus, um delírio (trad) Fernanda Ravagnani. São Paulo : Companhia das Letras, 2007.

Tive, ultimamente, oportunidade de ler o livro “Deus, Um Delírio”, de Richard Dawkins.
Concluí, ao término da leitura, que era um livro desigual, mas que merecia ser lido. Trata-se de uma obra ambiciosa, pois pretende demonstrar, para um público culto, porém leigo, não apenas que a probabilidade de que Deus não exista é infinitamente maior do que a probabilidade de que exista, mas que o ateísmo é uma posição eticamente superior ao teísmo.
Segue-se que uma sociedade democrática composta de indivíduos que, em sua maioria, conseguissem dispensar a religião -ou, pelo menos, torná-la assunto puramente privado- teria grande probabilidade de ser melhor e mais feliz do que as sociedades em que isso não havia ocorrido.
Tal convicção explica por que "Deus um Delírio" não tem apenas um objetivo teórico, mas também -e sobretudo- prático. Não se trata, para o seu autor, meramente de interpretar, mas também de transformar o mundo. Daí o seu caráter militante.
Muito esquematicamente, pode-se dizer que o esforço de Dawkins se encaminha por três vertentes diferentes, porém interligadas: a do esclarecimento de determinados conceitos, a da crítica ao teísmo e a da defesa do ateísmo.
No que diz respeito ao primeiro ponto -ao qual, dadas as limitações espaciais, terei que me limitar, ao menos no presente texto-, Dawkins faz algumas distinções como, por exemplo, entre deísmo, panteísmo e teísmo, entre as diferentes modalidades de agnosticismo etc. O sentido dessas distinções elementares não é meramente didático, mas polêmico.
Explico. Creio não ter sido o único adolescente que, ao manifestar certas dúvidas, ouvia dos adultos reprimendas como: "Quem é você para duvidar da existência de Deus, quando os maiores gênios da humanidade, como Einstein, acreditam nela?".
Pois bem, as distinções feitas por Dawkins se dirigem contra esse tipo de argumento. É que grande parte dos pensadores citados como crentes em Deus são, na verdade, deístas ou panteístas; e nem estes nem aqueles acreditam num Deus pessoal, tal qual o das religiões abraâmicas, que são o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Para a maior parte dos deístas, "Deus" é o nome do princípio e causa do universo, no qual, porém, uma vez criado, jamais interfere. Sendo assim, o Deus dos deístas não produz milagres nem se interessa pelos homens.
Pode haver algo mais distante do Deus do Velho ou do Novo Testamento? Sim: o Deus dos panteístas, que se identifica com o próprio universo, a natureza ou as leis da natureza. Tal é o Deus de Einstein, que, neste ponto, se identifica, segundo ele mesmo, com Spinoza.
A rigor, pode-se, portanto, dizer que o descobridor da teoria da relatividade se encontra muito mais próximo do ateísmo do que do Deus de Abraão. "Não creio num Deus pessoal", afirmou ele certa vez, "e jamais neguei isso: sempre o exprimi com clareza".
Como, então, forjou-se o mito da religiosidade de Einstein? Entre as razões para se pensar que ele acreditava em Deus está, sem dúvida, o seu uso metafórico -por puro charme- dessa palavra. Algumas das suas mais famosas declarações são "Deus não joga dados", que, como diz Dawkins, pode ser interpretada como "o acaso não se encontra no cerne das coisas", ou a pergunta retórica "Deus tinha escolha, ao criar o universo?", que se pode entender como "o universo poderia ter começado de outro modo?"
Porém, mais importante é que, como Dawkins observa, com razão, é comum entre os cientistas e racionalistas uma reação quase mística -mas que nada tem de sobrenatural- à natureza e ao universo. "Se há algo em mim que pode ser considerado religioso", disse Einstein, "é a admiração incontida pela estrutura do mundo, na medida em que a ciência é capaz de revelá-la".
O fato de que há, no fundo, uma incompatibilidade entre essa atitude e a religião é expresso pela perplexidade que o astrônomo Carl Sagan, citado por Dawkins, exprime ao se perguntar: "Como é possível que nenhuma grande religião tenha olhado para a ciência e concluído: Isto é melhor do que pensávamos! O universo é muito maior do que nossos profetas haviam dito, mais grandioso, mais sutil, mais elegante'?”.
Confesso sentir um espanto semelhante ao de Sagan. Ademais, parece-me que, para cada ser humano, o mais grandioso é ter a consciência de tal grandiosidade, de tal maravilha e de tal mistério.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A velha guerra

Goethe teve um romance passageiro com a Revolução Francesa, que liberou mais demônios do que ele estava disposto a aceitar. Vem daí sua famosa declaração de que preferia a injustiça à desordem.
Goya foi um entusiasta de primeira hora de Napoleão mas horrorizou-se com as atrocidades da guerra na Espanha, que retratou com ácido e asco na sua série de gravuras "Desastres de la Guerra". Acabou desencantado também.
Mas o desencanto de Goethe e Goya não é o mesmo dos que lamentaram o fim da velha ordem, para os quais a Revolução Francesa significou não a derrota do despotismo e da injustiça mas um crime contra a natureza do homem. Confundir ordem e normalidade com seus próprios privilégios é um velho hábito de castas dominantes.
Na literatura da contrarrevolução, tão vasta e influente quanto a literatura da revolução, o que aconteceu na França dos Bourbons foi uma segunda Queda do Homem, uma segunda perda do Paraíso. Só quem tinha vivido antes da revolução — outra frase famosa — conhecia as delícias da vida. Delícias que incluíam não apenas os privilégios do absolutismo mas do mundo como ele devia ser, com todas as suas injustiças naturais.
A Revolução Russa também provocou dois tipos de reação, a do desencanto com seus excessos e descaminhos depois da empolgação inicial, como o de Goethe e Goya com a Revolução Francesa, e a dos que a condenaram desde o princípio como antinatural. E também provocou dois tipos de literatura.
Se todos os que acham que liberdade, fraternidade e igualdade é um slogan ainda aproveitável são filhos da antiga retórica da revolução, os reacionários de hoje são filhos da antiga retórica da restauração, mesmo que o vocabulário tenha mudado. Para estes o fracasso do comunismo soviético na prática representou o fim do ideal iluminista e a recuperação do homem natural.
A celebração do "bom-senso" neoliberal contra a "falácia da compaixão", como a descreveu alguém, significa mais um triunfo reacionário na velha guerra. E estamos de volta ao delicioso paraíso do egoísmo sem culpa e das injustiças naturais sem remédio.